Gosto do meu mundinho. Ele é cheio de surpresas, palavras soltas e cores misturadas. Ás vezes tem um céu azul, outras tempestades. Lá dentro cabem sonhos de todos os tamanhos. (C.F.A)

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Um azul, um laranja, um lilás, um vazio...

Ela continuou sentada, mesmo após o terceiro toque do telefone, no quarto toque pousou o livro no colo e olhou pela janela, algumas nuvens brancas contrastavam com o céu azul escuro. O sol se punha no horizonte começando a pitar de laranja o azul, como uma tinta escorrendo por sobre a outra.
Quinto toque. Tomou mais um gole de café, colocou a xícara delicadamente sobre o pires, o barulhinho da porcelana contra porcelana a fez sorrir. Lembranças.
Estendeu a mão e tirou  fone do gancho. Respirou fundo.
- Alô. - A voz saiu rouca pela falta de uso.
- O sol está se pondo.
Um sorriso delicado brincou com o rosto dela. A voz do outro lado estava rouca também, mas por anos de cigarro.
- Laranja no azul.
- Laranja no azul. - houve uma pequena pausa, ela o ouviu soprar o ar, provavelmente soltando a fumaça do cigarro. - Eu sei como você vai morrer.
Mórbido. Ela pensou. Mas ele era assim mesmo, sempre falando de coisas que a maioria das pessoas fogem de falar, sempre cutucando feridas e causando dores. Ele absorvia 'sentires'. Ele precisava provocar essas coisas nas pessoas.
Ela pegou a xícara e tomou mais um gole de café. Calma. Dessa vez manteve a xícara na mão, balançou fazendo pequenos círculos, alguns grãos de café balançaram no fundo. Ele sabe.
- Como será?
- Suicídio.
Silêncio. A xícara voltou a mesa, bateu na borda do pires e tombou, o restinho do café turco molhou o livro, mas ela não se importou. Um riso nervoso saiu dela.
- E por que pensa isso?
Conseguiu levantar os olhos da mesa e olhar pela janela, o céu agora estava mais laranja que azul, as nuvens pareciam querer fugir do laranja em direção ao azul.
- Sabe, intenso e passageiro. Seus sentimentos são assim. Intensos e passageiros. E em algum momento você terá um sentimento tão... Diferente, e bom, e que você irá querer conservá-lo.
- Então eu me mato pra conservar um sentimento?
- Sim. A efemeridade das coisas te assusta, você vai em busca de algo definitivo. Há algo mais definitivo que a morte?
Não há.
Perguntou-se porque tinha atendido ao telefone. Ele podia ter continuado a soar enquanto ela terminava calmamente seu livro e seu café. E depois seguia com seus planos.
- Não há. - Respondeu quando achou que o silencio era pesado e acusador de mais. - Mas... Porque pensa assim?
Mais uma vez ouviu ele soprar a fumaça do cigarro. Esperou por um riso nervoso, não veio. Ele era controlado demais.
- Talvez nós sejamos muito mais um do que dois. Talvez o que eu sinta reflita em você, ou o que você sente reflita em mim e no fim... Acabamos por ser um. Sinto também a necessidade de algo definitivo. Preciso realmente disso. Definição.
Ele sabia. Ele sentia. Ele refletia.
Silencio. Ela com a mão crispada segurava o fone como se a qualquer momento alguma coisa o arrancaria dela. Pensou que tinha mesmo que terminar o livro, agora manchado pelo café que no susto, ela tinha derramado. Pensou que tinha de limpar a mesa e deixar tudo em ordem, pensou que poderia muito bem chamá-lo, afinal... Eles eram um.
- Tenho que ir. Terminar o livro que estou lendo.
- Termine amanhã. - Pela primeira vez ouviu a voz dele vacilar. - Por favor, termine amanhã.
Ela continuou imóvel. Ele sabia. Sem nenhum anuncio nem movimento, uma lágrima desceu preguiçosa pela bochecha e parou no canto da boca, o queixo estremeceu um pouco e por fim ela suspirou, suspiro doloroso, como se o peito estivesse se rasgando, uma ferida aberta que queimava ainda mais por causa do sal das suas lagrimas.
- Preciso mesmo terminá-lo hoje.
Ela se espantou com a calma na voz. O céu agora estava se tornando do laranja para o lilás, azul já não existia. Laranja e lilás.
- Por que? 
- Por que hoje está tudo vazio, e se você reflete o que sinto ou sente o que eu reflito, você deve saber que vazio é bom, é calmo, é...
- Vazio.
- Vazio.
Desligou o telefone, assim mesmo, sem aviso, sem adeus. Guardou consigo a voz dele tranqüila e astuta.
Limpou a mesa, levou o livro até o banheiro, onde com o secador secou as páginas manchadas com o café, terminou as três páginas que faltavam. No CD player sua banda favorita começou os primeiros acordes da sua musica favorita.
Ele sabia. Como? Ela não soube. E nunca saberia, por que a partir dali, só houve...
Vazio...

Um comentário:

  1. É tão espetacular ler tal texto... Como você me inspira.. Perceboo que preciso aprender ainda mais!!!
    Muitooo mais!!!
    Parabénss!!!!! Seus textos, são verdadeiros..!!
    =D
    Ameiii mesmoo!!

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